To com um mixed feeling aqui. Passei tantos anos pensando em como preservar a imagem do meu ex. Ele sonhava em ser grandioso, conhecido, reconhecido. Era fascinante ouvir ele falar de alguns assuntos com propriedade e uma certa arrogância disfarçada de simpatia que nem todos notavam. Algumas sutilezas da relação é que fazem a relação, né? A gente se apega àquelas que fazem sentido pra gente naquele momento de vida. Hoje eu entendo que usei meu ex pra tapar o buraco deixado pelo meu pai. Quer dizer, eu já entendo isso faz muito tempo, na época da relação eu já entendia isso. E parecia quase romântico esse amor paternal somado aos sonhos que a gente tinha. A vida era feita de muitos momentos de devaneios... a gente não vivia os nossos sonhos, nunca. Mas a arte de sonhar mantinha a nossa relação viva. No meu último texto, senti muita dificuldade em explicar porque me deixei levar. Como a gente se deixa ser engolido sem perceber? É tão insano que parece impossível. Parece ficção. Impossível. Inacreditável.
E como explicar que aprendi a amar essa pessoa que me fez tão mal?
Depois do término, passei muitos anos sem me permitir pensar nele. Pra mim era claro que eu já tinha perdido tempo demais, talvez meus melhores anos (17-23), então eu bloqueava qualquer pensamento e fazia qualquer outra coisa. E quando pensava nele, sentia raiva.
As cicatrizes das palavras são profundas, mas invisíveis aos olhos. Ouvi dizerem que a culpa era por ter aceitado tudo isso. Quando ouço isso, me sinto péssima... e concordo. Afinal, como eu deixei chegar ao ponto que chegou?
Eu vivi os anos seguintes ao término com um medo profundo de ter o "fantasma" dele comigo. Quero dizer, de sentir o eco das palavras dele nas minhas tomadas de decisão, ou então de imaginar se ele aprovaria algum ideia minha ou faria algum comentário desagradável... Nós nos falamos algumas vezes depois da separação. Chegamos a nos encontrar para tomar café e saber as novidades.
Lembro de voltar pra casa derrubada... mesmo depois de 2 anos do nosso término eu ainda não tinha nomeado meu ex pelo o que ele foi: um abusador. Manipulador. Cruel. Não tinha nomeado nossa relação pelo o que ela era: uma relação extremamente abusiva. Sentia culpa de pensar assim de "nós", afinal a ótica dele ainda era clara pra mim, ele seguia seu discurso sonhador e romântico. E eu era víbora que estragou tudo.
Me afastar dele era uma necessidade física. Nem por telefone, por mensagem, por nada. Lembro de ele me ligar na semana seguinte após o nosso término pra desabafar sobre algum evento da família dele.... eu falei com honestidade que não queria mais saber de nada daquilo; que quis me separar dele justamente porque aquela vida não me pertencia mais, que eu já não queria mais saber dos problemas dele. Eu tinha os meus próprios pra cuidar. Foram algumas ligações tensas, brigamos, gritamos, mas com o tempo ele desistiu.
Eu costumo dizer que quando consegui romper o contato com ele, eu peguei uma caixa metafórica, guardei tudo o que tinha a ver com ele nela e a tranquei no porão da minha mente. E lá essa caixa ficou por anos e anos...
Namorei outras pessoas, aprendi algumas coisas sobre relações normais e saudáveis, mas também esbarrei em várias dificuldades que não eram só de coisas que se relacionavam à relação abusiva, mas algo mais antigo em mim. Foram alguns bons anos de coração partido pra entender a mim mesma, a trocar de terapeuta e tentar métodos diversos em busca de plenitude. E minha busca passou a ser essa: ser inteira sozinha, sem depender de ninguém. Garanto que é possível!
Com essa mentalidade eu planejava ir morar em Londres e fazer um curso. Cheguei a contar sobre essa possível mudança de país com o meu ex.... lembro de ele ter ficado feliz por mim. Essa foi a nossa última conversa, foi por gtalk... rs
Alguns meses depois, recebi uma ligação da mãe dele. Ele tinha morrido. Eu estava me arrumando pra sair com umas amigas quando aquilo me congelou momentaneamente. Assim que desliguei o telefone com ela, lembro de olhar aérea à minha volta e de tão condicionada que estava, bloqueei o pensamento dele e continuei me arrumando pra sair. Mas ali, nos minutos seguintes, aquela caixa que tava guardada lá no porão entrou voando pela janela e numa velocidade absurda, catapultada diretamente de 2006 diretamente a maio de 2013.
Sentei na cama, liguei pra minha amiga e disse que não ia mais... me permiti sentir tristeza, inconformismo, saudade, compaixão, pena... amor.
Digerir a morte dele significava digerir toda a nossa relação. E eu não tinha feito isso ainda, fui adiando pra depois pra evitar sofrer e tempo demais já tinha passado. Passei 1 ano praticamente sozinha em Londres, sem contato com quase ninguém. Lá que eu fui aprender do que gostava, dar atenção pra algumas vontades, respeitar meu tempo. Londres foi triste, foi sofrido, foi necessário. Eu sentia que carregava comigo uma bagagem pesadíssima. Não ousava falar dela com medo de afastar as pessoas.
Nessa época eu comecei a revisitar algumas memórias e buscar entender o que se passava comigo. Meu processo foi muito lento... mas eu queria evitar sentir tanta raiva e frustração comigo mesma. Foi mais uma pessoa que morreu sem eu ter algumas coisas esclarecidas... com o meu pai foi assim também.
Quando nos separamos muita gente comemorou. Eu afastei o pensamento dele e queria que ele nunca tivesse existido. Muita gente desejou a morte dele.... talvez apenas uma maneira de expressar raiva. Mas quando ele de fato morreu, existiu alívio. Isso é muito triste, não te parece? Eu lembro de perguntar pra minha mãe quais as qualidades dele que ela lembrava, gostava.... ela travou, não soube me dizer nada além de inteligente, talentoso. O que é que fica das pessoas quando elas se vão?
Pra mim, fica um aprendizado enorme. Se me arrependo? Claro. Queria voltar no tempo e não ter saído com ele. Queria ter tido mais amor próprio e autoestima. Queria ter sido segura da minha capacidade. Queria não ter sido uma completa imbecil... queria não ter me perdido assim dentro de alguém.
Mas os útlimos anos, de 2015 pra cá, eu consegui me voltar pra mim mesma e entender coisas da minha própria personalidade que me ajudaram a fechar o quebra-cabeça todo. Mais pra frente escreverei sobre isso... Escrevo porque me liberta. Escrevo pra me curar.
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