Mais um dia, como outro dia qualquer, na casa de algum vizinho copaniano. A vida continua a mesma, exceto por um sentimento estranho que chega acompanhado pela entrada do meu pai pela porta. Somos só nós dois e uma sensação de que a eternidade mora naquele segundo. É quase como um transe e a memória é uma bruma. Entro em estado de um sono tão grande que ele me coloca nos ombros como se eu fosse uma menina de novo, ou como se nunca tivesse deixado de ser, e me leva ao meu apartamento.
Meu pai me coloca na cama e segue em direção à porta. Eu explodo em lágrimas e abro o coração:
- Pai, não me abandona de novo?
Ele se volta para mim, pega um jornal na minha cama que, de alguma forma demonstra meu sentimento em alguma matéria que explicita o assunto.
- Eu não vou à lugar nenhum. Quero viver pra sempre.
E é nesse momento que eu me sinto totalmente amparada, como se nada no mundo pudesse ser ruim. Existem segundos que são tão intensos que nos fazem sonhar como uma vida inteira que não foi ou que pode vir a ser.
Dormir já não me interessava mais, mas fiquei quietinha ao ver que meu pai sentou na minha escrivaninha. O modo como se identificava com qualquer material que pudesse produzir arte é incrível. Ele pegava os materiais com confiança, como se fossem seus e soubesse exatamente o que fazer em seguida. Fiquei em êxtase, pois sempre quis vê-lo pintando. Sem interrompê-lo, comecei a procurar por papéis na minha pasta, pois sabia que não eram fáceis de achar e, também, porque sentia certa vergonha da minha arte guardada lá dentro.
Então o desenho foi terminado: um frame tirado de um desenho animado qualquer que envolva ursos em estantes embaixo de uma lamparina. Definitivamente eu não esperava por isso, mas não podia ser mais fofo. Na estante desenhada haviam vários brinquedos, mas um em especial ele me apontou: ficava no cantinho e mal se notava. Era uma boneca de pano velha. Apenas sorri e tirei de trás do travesseiro a original. Eu também não tinha esquecido e ela ainda estava comigo todos os dias.
Depois de sentir que tudo isso era real, a vida começou a entrar nos eixos. Como um ótimo cozinheiro, meu pai já quis saber o que havia na despensa pois pretendia fazer o jantar.
Descemos na garagem para ver a despensa e pegar algo que nos fosse útil. Nesse momento uma amiga chegou. Meu pai nos deixou lá embaixo e subiu para começar o jantar. Ela precisava pegar algo no carro e eu precisava relatar os últimos acontecimentos!
Havia uma fila para pegar carros e, sem perceber, entramos nela e ficamos lá conversando. Em um dos pilares apareciam números decrescendo conforme as pessoas pegavam seus veículos. Era uma incógnita como os manobristas simplesmente sabiam os números, que mais pareciam códigos de barra, sem perguntar nada a ninguém. E de repente olhei para aquela contagem regressiva: era minha vez. Foi aí que acordei...
Uma tristeza e indignação me invadiram e eu apenas disse:
- Que mancada... :(
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